Texto escrito em 2006, quando eu tinha 16 anos. Um tanto quanto mais moralista do que se fosse escrito hoje, mas melhor do que eu mesmo imaginava que pudesse escrever nessa idade. Achei que valia à pena postar.
"Conto de Um Corpo
Parte
I
Levantou-se.
Pegou um baseado e acendeu. Deu uma tragada profunda. Aquilo o
tranquilizava profundamente. Olhou em volta e viu aquele corpo magro,
pequeno e frágil, mas não conseguia ter ideia do que havia feito ou
que havia acontecido. E, de repente, já devido ao efeito da maconha,
não tinha sequer noção de quem era e muito menos do nome do corpo
que jazia ao seu lado. Preferiu não pensar. Dedicou-se ao seu
Baseado, sem pensar muito no quarto bagunçando, no sangue na parede
e no silencio do quarto.
Deu
mais uma tragada profunda.
Passado
algum tempo, a maconha acabou e sentiu vontade de dormir. Mas a
curiosidade o irritava. Deitou-se onde estava e tentou dormir, na
esperança de que a verdade aparecesse...
Enquanto
isso,
ali perto, Rafael recontava para si mesmo todos os fatos do sumiço
de Victor. Tentava usar de sua habilidade para entender o que
acontecera ao seu namorado. Tanto tempo. Não conseguia descobrir
onde poderia estar.
Tinham
discutido,
três dias atrás.
Mas
nada demais. Talvez estivesse passando por algum outro problema que
não quisera contar.
Pegou
um copo de uísque e tomou calmamente. Lembrou-se com carinho do
corpo magro, pequeno e singelo de seu amor. Não, tinha que pensar
nisso depois. Tinha que encontrá-lo,
agora, sabia que havia algo de muito errado.
O
telefone tocou.
-
Alô. – Disse ele, com pesar na voz.
-
Rafa, é a Ana. Como vão as coisas?
-
Do melhor jeito possível.
-
Eu tenho notícias.
-
Tem?
-
Sim. – Disse ela, com ternura, tentando passar um pouco de
alegria.- O Fábio perguntou em vários lugares e parece que ele
passou de moto por uns postos, numa estrada secundária perto daqui.
Tudo indica que tenha ido até a cidadezinha à qual dá a estrada.
-
Ai... Santo Fábio! – Disse ele, quase eufórico. – Podemos ir
até lá?
-
Sim. – Respondeu Ana com o tom tão carinhoso de velha amiga da
família, quase irmã. – Passo aí com o Fábio em trinta minutos e
podemos ir procurá-lo, ok?
-
Sim. Me arrumarei para isso. Beijos, amiga.
-
Beijos para você também. E tenta ficar o mais calmo possível.
-
Tentarei...
Parte
II
Seguiram
pela estrada esburacada. Já eram três horas da tarde e logo
começaria a escurecer e, numa estrada tão vazia e mal iluminada,
seria difícil continuar.
Rafael
dirigia sério e preocupado.
Queria
realmente saber o que aconteceu.
Seus pressentimentos não eram nada bons. Perguntaram a uns e outros
e realmente concluíram que ele devia ter ido até a cidadezinha, mas
que faria lá?
Não
fazia sentido.
No
quarto, ele acordou outra vez. E o corpo ainda estava lá. Já havia
se passado um dia inteiro e começava a escurecer, outra vez. Não
sabia o que tinha feito. Lembrava-se daquele corpo, andando pelas
ruas da cidade. Lembrava-se também de algum caso de esquizofrenia,
ou loucura. Lembrava-se de uma briga sua, com alguém que amava. Não,
não conseguia organizar as ideias. Quem era aquele corpo que havia
fugido da cidade para cá por loucura, por achar está sendo
perseguido por um fantasma e como acabara morto, ali, ao seu lado?
Não conseguia explicar, e olhou mais uma vez em volta. Percebeu que,
por algum motivo, conhecia mais o corpo do que aquele quarto. Sentiu
que precisava de alguma coisa, mas não sabia onde encontrar.
Encontrou alguns comprimidos de sonífero que pareciam ter se
materializado ali, naquela hora, pois jurava não tê-los visto
antes, mas estava tão confuso que não era capaz de entender nada
além do pouco que tinha em mente. Pegou uns três comprimidos e
tomou-os à seco pois não conseguia se imaginar levantando dali para
procurar nada. Não se sentia e, na verdade, não tinha muita ideia
do que poderia ter acontecido...
Sabia
que também não era dali. Na verdade, nem sabia onde estava. Como
poderia saber que não pertencia ao lugar? Lembrou-se de momentos
felizes, com amigos, muita cerveja e maconha, como precisava de um
baseado agora...
Sentiu
aquela felicidade atingir fundo o seu peito e agir como se não
pertencesse mais a ele. Como isso seria possível? Não fazia
sentido. Lembrava-se agora também de sua infância, e agora parecia
que havia sido nessas terras. Sentiu-se mais familiarizado com o
lugar, embora não conhecesse o quarto. Viu-se brincando no frio de
uma manhã de inverno. E achando seus amigos muito bonitos de
moletons. Lembrou-se de sua mãe o repreendendo, e seu pai o
castigando por chorar e por andar de mãos dadas com um menino...
Sentiu seus olhos arderem, lágrimas rolarem. E, de repente,
lembrou-se da historia do corpo à sua frente. Lembrou-se de que ele
viu um amigo imaginário que o garantiu que, ao chegar aqui,
encontraria seu namorado com outro. Lembrou-se que ele se sentiu
louco brigou com o namorado e seguiu de moto para cá. Lembrou-se que
o corpo havia também chegado àquele quarto, fumado maconha, tomado
uísque e, por fim, em meio à sua loucura e após uma séria
discussão com aquela alma imaginária,
havia encontrado uma arma. Só não entendeu como ele tinha aparecido
na história... Não sabia, mas lembrou-se do tiro no peito e este
doeu como se fosse nele. Sentiu vontade de um pouco mais de
comprimidos e, quando os foi pegar, sentiu que os outros começavam a
fazer efeito, enxergou mal, viu as coisas escurecerem e, de repente,
tudo apagou.
Parte
III
Anoiteceu
e eles tiveram que parar um pouco. Rafael queria chegar logo à
cidadezinha, mas Ana o convenceu de que não adiantaria muito já
que, sendo a cidade pequena, não conseguiriam nenhuma informação
àquela hora. Pararam num hotel de beira de estrada e combinaram de
partir assim que amanhecesse e assim fizeram.
Chegaram,
por fim, à cidadezinha. E logo entraram num barzinho que já tinha
seus feirantes e vaqueiros passando para tomar uma tragada antes da
feira.
-
Bom dia. – Disse Rafael, ao lado de Ana e tentando parecer calmo.
-
Dia, moço. – Disse o homem, que atendia no balcão.
-
O senhor viu esse homem por aqui? – Disse ele, mostrando uma foto
de Victor.
-
Vi sim, senhor. – Disse o homem. – Ele alugou uma casa a uma
légua daqui e passou perguntando como chegar lá, tem uns três
dias. Mas não apareceu mais por aqui, não senhor.
-
Obrigado. – Disse Rafael. Homem alto e charmoso que era. Esbanjando
beleza e originalidade com seus 28 anos tão bem traçados. Agora
estava perto, encontraria seu grande amor embora, em seu íntimo,
soubesse que não teria boas notícias. Sentiu-se um pouco nervoso,
sentou-se um pouco e pediu um café. Ana percebeu que ele não estava
bem e encarregou-se de pegar explicações de como chegar à casa e
decidiu que ela dirigiria até lá.
E
assim, fizeram.
Ao
chegar às proximidades da pequena, isolada e peculiar casa, sentiram
o cheiro forte de podridão. E Rafael sentiu seu coração bater
disparado. Ana viu seus próprios olhos enxerem-se de lágrimas ao
imaginar o que poderia ter acontecido ao seu amigo de tantos anos.
Pediu a Fábio, que estava no banco da frente, ao seu lado, para
abrir o portão para que pudesse entrar.
Logo
que entraram puderam avistar em outro canto a moto de Victor largada
no lado da casa. O cheiro era muito forte. Bateram na porta, na
esperança de serem atendidos.
Ele
acordou escutando a porta bater. Tentou levantar-se, mas era incapaz
de sentir o próprio corpo não sabia bem por quê. Faltava-lhe voz,
também. Esperou que arrombassem a porta porque finalmente, então,
saberia a verdade. Ouviu uma voz “Victor abra essa porta, sou eu,
amor!” Meu Deus. Era o Rafael que o havia encontrado. Como ele
sabia quem batia à porta? Que bom, estaria agora protegido pelo
homem de sua vida. Por fim viu a porta arrombar-se e sorriu para que
Rafael corresse para ele. Mas Rafael não o viu. Correu para o corpo
magro no chão. E disse, chorando.
-
Victor, meu amor. Como pode suicidar-se?
Suicídio,
como assim? Ele estava ali, não era ele naquele corpo! Conseguiu
levantar e percebeu que estava invisível. De repente, visualizou o
rosto do corpo. Meu Deus. Era ele que estava ali, MORTO! Como podia,
se sentia-se quase vivo? Lembrou-se então que ele tinha dado o tiro.
E, ao mesmo tempo tinha sido um suicídio. Viu a arma nas mãos do
corpo. Concluiu com pesar que estava morto. E, pelo seu namorado e
pelo casal de amigos que tanto amava, nada podia fazer. Queria
dizer-lhes que estava bem, que amava Rafael, que não queria ter
morrido sem dizer-lhe isso, que não queria esquecê-lo. Não queria
ter acreditado naquela alma maluca, que fez voltar à sua terra de
origem. Agora entendia porque conhecia mais o corpo que a casa embora
esta tivesse sido sua, em outros tempos, com outras formas. Amava a
todos aqueles que choravam sua morte e, tinha certeza, as drogas
tinham grande culpa no acontecido. Mas não adiantava mais nada.
Estava morto, isso era fato. E, contra fatos, não há argumentos...".